22.11.07

Nossos Mandamentos

Abrir o mar com a literalidade total do Livro que não verso e não proso. Livrar do sal e da vermelhidão essas retinas que têm se acostumado a ver marolas sem gosto e ondadas de desgosto. Pisar de novo o seco caminho de tuas terras sem promessas esperando que nelas não se tenhas afogado. Eu te resgato da tua seca enquanto me alças das águas deste bíblico dilúvio.


21.11.07


Há sangue. Restos e sangue. Fios de cabelo que a navalha tira na velocidade dos meus dentes. Pus sal nos cantos da casa.
Dizem que tenho olhos de ira. Ou tristes. Pelo menos nada piorou.

A saudade é tanta que transforma os piores momentos nas melhores lembranças.


27.9.07

Mantra

Acostuma-te com os dias que não são mais teus.




19.9.07

Missão

Deixe-me ir, preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar
Se alguém por mim perguntar
Diga que eu só vou voltar
Quando eu me encontrar.

Candeia


18.9.07

Ciúme e limbo

Penso desse jeito simples desesperado. Se me importo? Médio. Resolvia encontrar o rei de tua Pasárgada e, com a sofisticada perversidade das pontas desses meus dedos magros, extrair-lhe os bagos, com pele e vasos, para então calmamente depositá-los no intestino da mulher que ora desejas querer. E tudo na cama que escolherás.

Vê agora em quem se instalou o teu mal?


12.3.07

Atenda

Fica atento que somente três vezes baterei à porta do teu céu: dei-xen-trar.
Não que derrubaste todo o meu cenário, mas cortaste a linha do tempo que em mim fazia nó, portanto agora não oscila. Abre e cai. Ou dou-te as costas e arranho portas de outros paraísos.

10.3.07

É isso

8.3.07

Assumo

Te ver em desgraça com a minha presença é de derreter os sentidos e a razão. Pelo ralo os discursos ensaiados, o som do ambiente, a temperatura, o gosto de vinho na boca, o cheiro de vela e suor nas tramas da rede, a ânsia do encontro, tudo pinga e escorre. Baixo devagarzinho e palmo as poças na intenção de reabsorver algum mililitro de alma do chão, quando você vem e me pisa com a mesma força desses olhos apertados que eu amava beijar. E me deixo ficar no abandono, na sua sola, tapete e capacho, porque ainda assim você me desfila.

23.2.07

E hoje...

Importa a nova alma limpa que
Se lava
Ainda quente
Importa espalhada a calma que
Se junta
Finda rente
Com o tempo que te veste enquanto te descobres?

Importa a dura mágoa fria que
Se batida
Te perfura
Importa o rouco acento dito que
Se ouvido
Me escuta
Como vento que de leve espanta-me dos males?

Importa
De tudo
Este dia que te move
Do mundo que
Com eu memora.

Parabéns.

6.2.07

Jardim

Colhi begônias, cravos e margaridas, com qual delas me enfeito?
Visto-me de setembro. Neste quarto subtropical, sua língua é o terreno onde planto as minhas magnólias.

Menu

Não toca a campainha, não, entra direto e senta que a mesa tá posta. A toalha verde estendida sob as taças é a mesma de quando você me jantava no café-da-manhã. Não preparei os aperitivos porque sei que é de um prato-feito que você precisa a essa hora do dia. Tem coxas flambadas e bocas ao ponto. Eu sirvo.

29.1.07

Solus

E confortáveis, sentamo-nos. A longa espera torna imperioso largar o corpo ao móvel, espreguiçar os dedos e acender um nobre cigarro.
No ar, micropartículas matizam o quarto como pólens a fecundar anseios. E já agora gestamos a ausência de uma presença que sempre se disse mas nunca se viu.

23.1.07

Xeque perpétuo

O jogo mal começa e, en passant, sofro a captura. Em frente que Peão não retrocede.
Roque. Prendo-me ou protejo-te?
Vejo que escolheste as peças brancas, mas não ligo para esse privilégio. Sai à frente que sei da tua pressa em atingir as marcas de um outro jogador. A Dama aqui não já não consegue operar a fusão de seus dois movimentos e prefere ficar à Torre sob aconselhamento de seu Bispo.

Desistes de jogar? Fica sabendo que prefiro o empate por afogamento.

21.1.07

Momento clown

A falar, a sentir, a fazer...
Ainda quero muito com você, meu bem. Mas não me tire tudo à força.

18.1.07

A última mensagem póstuma

Fui, já tem um tempo, e parece ontem aquele maldito tombo na escada. E se demorei a me comunicar é porque só agora descobri que defunto pode fazer de tudo, tantas coisas, você ficaria besta se soubesse do que sou capaz. Tudo eu faço pensando. Veja, eu escrevo numa caligrafia bem próxima daquela que você conheceu em minhas primeiras cartas, percebe? Escrita redonda como os nossos beijos de início, porém ainda tímida como a descoberta do meu corpo nu diante do teu. Naquela época a gente queria manuscrever o amor em caldos que encharcavam nossos desertos particulares, ficava se olhando até umedecer a face com sorrisos e se prometia, a cada dia, um novo abraço eterno. Tempos sem cólera.

Passados alguns anos, preparada para nem tanto, feneci, fui para melhor, evaporei, fiz a passagem, transcendi, desencarnei, desvivi, finei, sublimei ou sei lá que outro termo usa a tua crença de hoje em dia. Aliás, daqui não recebo eco algum de uma prece tua, então julgo que tenha deixado as aves marias de lado novamente. Ou então entendeu que orar por mim é encomendar minha alma a um paraíso daquele tipo que você pintava nas cartolinas da tua infância, todas emolduradas e dispostas nas paredes pela tua mãe. A infância que você odiava. A mãe que você odiava. Aquele paraíso pintado de vermelho eu não queria, ficam aí, eu disse, ficam aí na casa da tua mãe esses quadros, a gente não precisa levar. E você trouxe, insistiu e trouxe pro nosso lar, e eu resisti, e eu sofri, e eu pedi até que consegui fazer você jogar fora aqueles desenhos de revolta pueril, voltar a gostar de ser criança e perceber que amava mais que tudo a tua mãe, aquela que é hoje a tua maior cúmplice e companheira. Por ela você foi capaz de adotar santos na carteira mesmo se dizendo ateu. Por mim vão todos eles para um lugar de onde nunca deviam ter saído, e para onde eu certamente nunca irei. A isenção religiosa é um dos mais altos benefícios desta minha nova natureza.

Naquele dia fatal, veio o destino e resolveu se assumir para nós dentro de um prédio sem luz. Sei que te dei as costas quando finalmente você encontrou algo a dizer, sei que não devia correr ali, aqueles corredores de puro breu, os degraus ainda soltos e eu querendo uma cena de novela (mas tive um fim tal qual uma película de Almodóvar e ninguém se lembrou de dizer). Meu movimento rude para desprender o braço da tua mão (a tua mão...), você gritando, não vai ainda, e eu bamba de tanta ira, dúvida e culpa saí desobedecida de qualquer ordem, pisei o chão sem compasso algum, pisei as sacolas, as compras, os limões para o tempero... O seu tempero, a mesma armadilha que experimentei pela última vez. O barulho do meu rosto encontrando a quina do degrau ecoou um estrondo dentro do peito. Te via ainda, sabia? E vi também que era pra nunca mais o teu jeito macio, a calma da tua pele e a tua expressão quando lia pra mim. Uma contradição como o prelúdio do fim que mais tarde se declarou. Eu parti te amando, entende? Eu parti quebrada e você sabe como.

Agora sim me despeço, meu amor, com o primeiro e último canto vindo deste lado das minhas profundezas, sem rimas ou boas aliterações. E eu te peço, pare de ensaiar epitáfios para pôr minha morte em frases vivas de bons pensamentos. Porque cheia de boas intenções, hoje sou mais uma hospedada no inferno.


12.1.07

Coisas a meu respeito. Muitas coisas, nunca o tempo. Desde que abandonei o nascer de sol que acariciava a minha janela, o tempo se fez indecente. Teima em me espiar pelas frestas da mesma janela trancada, chega com as cartas por debaixo da porta, espalha o aroma de café anunciando a manhã que escolheu pra mim. Mas eu não quero o tempo no meu espaço. De dentro do meu quarto eu posso sair pelos campos cavalgando sonhos de garota marota, deixar o vento me despentear com as ilusões de ontem, as desilusões de amanhã, o vai-e-vem de acontecimentos desprendidos e abandonados no ar como bolhas que se não estouro, sopro. E meu ar é quente. Somente o ar me suspende dessa desordem macia e gorda que é a minha cama sem a angústia do tempo.

2.1.07

2007 e a criação de novos verbos

eu nirvano
tu nirvanas
ele nirvana
nós nirvanamos
vós nirvanais
eles nirvanam



petulant petals

pester pestilences
perturb perverts

pertinent petals