29.8.06

Olha a mala aí

Clarice Virgínia. Nem discutimos a conveniência do nome quando foi escolhido. Adequado pela geniosidade, o temperamento inquietante, sempre na iminência de rasgar a roupa e sair pelas ruas gritando. Mas gatos não usam roupas, não a minha, e mesmo que assim fosse, esta jamais me permitiria importunar sua doutrina naturista.

Não me lembro de ter lido sobre a afeição que esses felinos domésticos criam por quem cuida de sua toillet, ao contrário dos cachorros, que primam mais por quem lhes garante a ração na vasilha. Digo isso sem a mesma propriedade de uma Lygia Fagundes Telles, que além da escrita aparentada com o mundo sensível de Platão, traz ricas experiências de sua conviva com esses bichanos. Minha constatação vem mesmo da livre observação e dos momentos intensos, ainda que poucos. CV tem menos de dois anos e é o meu primeiro exemplar.

Pois que foram meus olhos os responsáveis pela cura do meu coração, que andava já fervendo de dor-de-cotovelo e indignação ao me ver sendo deposta do cargo de mãe por ninguém menos que vovó e vovô, ou seja, meus próprios pais. Me senti sendo interditada. Em pouco tempo concluí, no entanto, que era eu a culpada pelo Golpe de Estado. Era eu que estava faltando com as obrigações exigidas pelo posto e nem me dera conta. “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”. Se CV pudesse cantar, certamente seu miado levaria esta toada.

Estavam vovó e vovô com os colos disponíveis o dia todo; vovó e vovô é que agora ofereciam pés e canelas para os arranhões da tocaia matinal; vovó trocava a água e mantinha a vasilha sempre cheia; vovô conversava e aconselhava a se manter longe dos perigos. E o mais importante: já não era mais mamãe que limpava xixi e cocô da criança, e sim vovó. Perdi.

Realmente não pensei que me manter distante das necessidades fisiológicas de CV faria tanta diferença em nossa relação. Continuavam os beijos, os abraços, a brincadeira do cordão, os melhores esconderijos, as costas arranhadas, mas... Faltava algo. Para ela, a completude afetiva e emocional estava nas coisas mais simples, nos cuidados mais primitivos, no aconchego de se sentir mesmo em casa, coisas com as quais sem querer me despreocupei ao longo dos dias.

E assim eu me assemelhei a tanta gente por aí, que tem na vida o diz tanto querer, mas não repara na verdade e nas vontades do outro. Espero que, do alto de sua magnificência felina, Clarice Virgínia um dia me perdoe.

Un passant

Tarde amena, solzinho do meio-dia entre nuvens, almoço com amigos de trabalho. Esticada no café da Fnac e quinze minutos restantes para comprar mais um presentinho para o filho que faz três anos.

- Este aqui sim, Marta, DVD dos Teletubbies. Ele vai amar!
- Que isso, Cris, tá maluca? Nem pensar, Marta. Se seu filho assistir a essa groselha, corre sério risco de virar gay.
- Gay? Verdade?!

Testa enrugada, lábios mordicados... Mais 5 segundos de reflexão depois, Teletubbies no carrinho e fila do caixa.

- Olha, antes gay do que padre, viu...




19.8.06

Isso não é um lamento


Karmo

É mais fácil é levantar o tapete do outro e apontar a sujeira dele que fazer faxina na própria casa, ahn?


15.8.06

Amo(igo)

Pois bem, este post é a Tata quem me inspira.

Falar de amigos, coisa que nem sei fazer direito porque sempre acreditei que sobre eles não é preciso comentar, apenas compartilhar. Não se fala mal, simplesmente se afasta quando os assuntos desafinam, quando as idéias são quase todas incompatíveis. E nem bem, pois carregá-los no colo pra lá e pra cá em qualquer ocasião já diz o quanto nos são caros, imprescindíveis. Por minha parte, tamanha sorte me foi legada por boas ações de vidas passadas que nesta desfruto de colos, lenços, tequilas, vômitos, Clarice, João Cabral, chazinhos, Secos e Molhados, gelinho nos lábios, gargalhadas... Tudo vivido com gente de prima qualidade.

"E reclama tanto da vida, como pode"?

Ah, estratégia pra mantê-los sempre alertas!




2.8.06

Sabe aquela música que você deseja sua, só sua, de mais ninguém?


Composição: Cazuza / Frejat

Eu hoje tive um pesadelo e levantei atento, a tempo
Eu acordei com medo e procurei no escuro
Alguém com seu carinho e lembrei de um tempo
Porque o passado me traz uma lembrança
Do tempo que eu era criança
E o medo era motivo de choro
Desculpa pra um abraço ou um consolo

Hoje eu acordei com medo mas não chorei
Nem reclamei abrigo
Do escuro eu via um infinito sem presente
Passado ou futuro
Senti um abraço forte, já não era medo
Era uma coisa sua que ficou em mim, que não tem fim
De repente a gente vê que perdeu
Ou está perdendo alguma coisa
Morna e ingênua
Que vai ficando no caminho
Que é escuro e frio mas também bonito
Porque é iluminado
Pela beleza do que aconteceu
Há minutos atrás

Na voz do Ney, sempre...