De vez em quando tenho acertos de memória. Lembro:
clara e vivamente do alimento subindo de volta sem chegar nem perto da boca do estômago;
da fronha ainda encharcada quando já é de manhã;
do kajal preto atuando magicamente no disfarce das pálpebras;
das escadas triplicando o número de degraus pra tornar o térreo inatingível;
da calçada que caminha sob os pés empurrando o corpo pra onde ele costuma ir;
do cheiro insalubre da rua;
dos ônibus negros e sem letreiros;
da surdez.
Caminhar em direção ao trabalho: viagem insólita.
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Lembranças me põem a ponto de revelar coisas não ditas.
Queria comprar uma arma pra começar de vez essa guerra mixuruca contra o espelho. Sim, portando uma Anna Pegova 46 eu desbravaria territórios inóspitos e teria a meus pés povos que antes nunca pensei domesticar. Ahhhh... Eu lambuzaria meu rosto com o sangue frio de inimigos-defuntos e pisaria as mãos de sobreviventes chorosos, iria caminhando alegre por campos cheios de vazios.
Mas toda essa atitude belicosa que me acende agora, se levada a cabo, por mais que me rendesse ricos despojos, traria consigo grandes baixas. Não, não quero outras, por favor. “Bandeira branca, amor, não posso mais. Pela saudade que me invade eu peço paz”.
3 comentários:
Quem me dera ser seu apoio nessas suas viagens insólitas, mesmo que os corpos caminhem por condicionamento (o que sempre acontece quando se está suspensa no mundo), pelo menos, seriam dois corpos sendo empurrados... a cumplicidade sempre ameniza as coisas.
Acho que não precisa de armas, não, para ter aos seus pés todos os povos que quiser. Basta encarar o espelho, principalmente seu espelho interno, e enxergar o que realmente existe. Não precisa de guerra, basta se aliar a ele. Digo com olhos sinceros, de quem vê claramente sua ternura, sua beleza, sua grandeza e que sempre verá, mesmo que no silêncio... Mas é sempre bom desenhar estes sentimentos, não? Desabafar mesmo que virtualmente... muito bom... E viva o “haspargus”!!! Ype, ype... Urra!!!
Beijos.
Continuou bem.
Isso vai dar certo.
Viagens insólotas. Embarco em várias delas, e na mesma classe.
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